Quero iniciar esse artigo com uma pequena confissão.
Quando era adolescente, eu era, como a maioria dos jovens americanos, muito
interessado em religiões e filosofias orientais. As crenças sobre humanidade,
realidade e divindade dos sistemas religiosos como no Hinduísmo, Taoísmo e
Budismo apresentavam algo muito mais profundo do que a escassez espiritual do
Ocidente.
Como de regra, as religiões orientais enfatizavam
grandes tradições místicas, contrastando o “deus tirano” apresentado pelo
cristianismo americano, além de serem muito mais simpatizantes dos conhecimentos científicos em geral.
Enquanto o Cristianismo era a morada das Cruzadas,
Inquisição e pastores fundamentalistas, o Budismo, Hinduísmo e Taoísmo, eram
tratados como tendo sua profunda visão sobre a natureza do mundo e da
humanidade, eram sobre ser gentil e espiritual.
Este é o argumento mais utilizado por apologistas
das religiões orientais para o público ocidental, e era este o ponto de vista
que eu tinha até encontrar a Igreja Ortodoxa e seu riquíssimo legado
espiritual.
O objetivo deste artigo não é refutar estas noções
comuns sobre religiões orientais nem sobre os mitos que a ignorância acusa o
cristianismo. Até porque, em artigos passados, já tratei de como a Ortodoxia
refuta todos estes mitos.
Só citei estes estereótipos sobre cristianismo e
religiões orientais para apresentar um pano de fundo no que segue adiante.
Do
outro lado do Éden
Dentre tais religiões orientais, era o Budismo que
especialmente me atraía. O próprio Buda era, para mim, uma figura incrível em
várias formas: sua determinação em “ou o Nirvana ou Nada”, sua busca espiritual
pela verdade, sua compaixão abrangente pelo mundo, sua sistemática e científica
cosmovisão e principalmente, sua orientação espiritual para as pessoas me
fascinavam. E ainda me fascinam.
Aqui está outra confissão: Eu ainda acredito que o
Buda estava certo. Isto mesmo, eu sou Cristão Ortodoxo e continuo acreditando
que Buda estava correto em sua visão de mundo e do homem. Em verdade, ter-me
tornado Cristão Ortodoxo me fez apreciar ainda mais a profundidade e verdade
que o Budismo apresenta mais do que na minha vã curiosidade de adolescente. Eu
explicarei:
Budismo é diferente mesmo das outras religiões
orientais em muitos aspectos, provavelmente uma das mais incríveis diferenças é
que o Budismo, em contraste outras culturas religiosas, não tem uma “história da criação
ou origem do mundo”.
Ao invés de ser uma história sobre o drama da
origem e do homem e de sua condição, o Budismo conta a história do próprio
Buda, este homem particular e sua compreensão do mundo como ele é.
Enquanto o tempo passa, Buda cresceu
intencionalmente protegido por seu pai, um rei. Buda foi protegido de ver
qualquer morte, doença ou feiura. Ele foi criado rodeado de beleza, juventude e
prazer. Porém, em um de seus passeios fora do Palácio, contemplou quatro sinais
que o chocariam para sempre: uma pessoa doente, um idoso, uma pessoa morta e um
asceta hindu.
A história do Buda não é sobre um homem que viveu
há 2500 atrás. Provavelmente, a questão é
que talvez, não seja nem necessário saber. A história do Buda é sobre uma
pessoa que cresce e contempla o mundo ao seu redor.
Crianças são geralmente
protegidas do que chamamos “realidade da vida”. Para eles, tudo é divertido e
aparenta que a diversão nunca terá fim. Assim que crescem, percebem que a vida
não é somente jogos e diversão. Eles observam a vovó ficar doente e percebem
que um dia também ficarão doentes. Quando sua avó querida falece, conseguem
compreender que um dia também irão deixar este mundo.
Essas reflexões podem não ser tão grandes e
profundas como as que ocorrem na história do Buda, mas são realizações que
todos os seres humanos um dia irão enfrentar.
A
essência do sofrimento
A história da criação pelo Cristianismo, nos capítulos
de abertura do livro de Gênesis, providencia a mesma lógica e poderia ser
facilmente aplicado como uma alegoria ao que todos experimentam quando o
envelhecimento se aproxima.
Adão e Eva, os primeiros humanos, viviam em
inocência e de repente, comeram o fruto da árvore do “conhecimento do bem e do
mal”. Como resultado, eles foram expulsos do Paraíso; sofrimento, dor,
enfermidade e morte entraram em seu mundo. Eva, a mulher, lhe foi dito que
teria filhos apenas com muita dor, se tornou adulta. Adão, o homem, lhe foi
dito que conseguiria alimento para ele e sua família apenas com muito trabalho
sem fim, se tornou adulto. A mais profunda sentença lhes foi lançada: “Vieram
do pó e ao pó retornarão” (Gênesis 3:19).
A história da criação pelo Budismo e pelo
Cristianismo são muito diferentes em tempo, lugar e pessoa. Mas a mensagem
continua a mesma: agora que atingimos a idade adulta, temos que encarar os
fatos: ficaremos facilmente doentes, velhos e a morte nos espera. Ao mesmo
tempo, em ambas as crenças, há um raio de luz que resplandece sobre tudo isto.
Na história budista, o Buda encontra o asceta hindu, que busca um caminho para vencer a enfermidade, velhice e a morte. Na
história cristã, o Senhor diz a serpente que Ele põe “inimizade entre ela e a
mulher, entre a sua descendência e o descendente dela; esta ferirá a sua
cabeça, e a serpente lhe ferirá o calcanhar” (Gênesis 3:15).
Deus prometeu uma semente à Eva, Um que viria para
destruir a serpente, desfazendo as consequências da queda e salvando a
humanidade da enfermidade, velhice e morte.
As respectivas histórias fundamentais do Budismo e
do Cristianismo continuam, cada um recontando os eventos que são muito
diferentes uns dos outros e possivelmente difíceis de se entrelaçar na mesma
verdade.
Se há um elemento particular nas duas crenças, e que pode ser
encontrar por todo o Antigo Testamento, é que o homem constantemente busca a divinização
e falha sempre. Uma das histórias mais peculiares de todo o Antigo Testamento
que dura por milhares de anos, é sobre a impossibilidade do homem em atingir a
divinização e restaurar sua comunhão com Deus.
A moral que se prossegue na história do Buda é
praticamente a mesma. Após observar os quatro sinais, Buda abandona o Palácio
de seu pai e retira-se para a floresta para viver com o asceta hindu, lutando
junto com ele para fugir da enfermidade, velhice e morte.
Durante este tempo, absorve a sabedoria de muitos gurus e põe as técnicas todas em prática. Ele atinge um profundo estado místico. E mesmo assim, não está satisfeito com seu progresso.
Durante este tempo, absorve a sabedoria de muitos gurus e põe as técnicas todas em prática. Ele atinge um profundo estado místico. E mesmo assim, não está satisfeito com seu progresso.
Ele continua sofrendo, continua ficando doente,
envelhecendo e também terá que enfrentar a morte. Retorna ao ponto zero. Ele
jejuou tanto e torturou seu corpo físico de tal maneira que textos budistas
recordam que ao tocar seu estômago, encostava na espinha.
Finalmente, ele senta na posição de Lótus abaixo de
uma árvore e torce para não precisar se mover até que morra ou alcance a
iluminação, então medita.
Como o próprio nome “Buda”, que significa “O
Iluminado”, indica, ele atingiu seu objetivo, alcançou a iluminação e
experimentou o Nirvana, o estado de não-sofrimento. Atingindo seu objetivo,
ensinou os outros a alcançar este caminho. Seu primeiro sermão, dado a amigos ascetas
que o haviam seguido, ressaltam as verdades mais profundas que o Buda
encontrou, verdades que se encontram nos fundamentos da fé Cristã Ortodoxa.
Estes ensinamentos são chamados “Quatro Nobres
Verdades” e os “Oito Caminhos”.
1º
Nobre Verdade
A primeira das nobres verdades é que o sofrimento
está presente em todos os aspectos da vida; até a mais preciosa alegria
eventualmente sumirá porque na terra tudo é temporal.
De acordo com Buda: “Agora, ó monges, está a nobre verdade da dor: nascer é doloroso, envelhecer é doloroso, adoecer é doloroso, lamentar-se e chorar é doloroso. Contato com coisas desagradáveis é doloroso, não atingir o que se quer é doloroso. Apegar-se é doloroso”.
Isto, como já observamos, é similar ao ponto de início
do Cristianismo. Retornando ao terceiro capítulo do livro de Gênesis,
encontramos o mesmo conteúdo nas palavras de Deus para Adão e Eva após a queda:
“E
à mulher disse: Multiplicarei grandemente a tua dor, e a tua conceição; com dor
darás à luz filhos; e o teu desejo será para o teu marido, e ele te dominará. E
a Adão disse: Porquanto deste ouvidos à voz de tua mulher, e comeste da árvore
de que te ordenei, dizendo: Não comerás dela, maldita é a terra por causa de
ti; com dor comerás dela todos os dias da tua vida. Espinhos, e cardos também,
te produzirá; e comerás a erva do campo. No suor do teu rosto comerás o teu
pão, até que te tornes à terra; porque dela foste tomado; porquanto és pó e em
pó te tornarás” (Gênesis 3:16-19).
Após estabelecer esta verdade fundamental, tanto o
Cristianismo como o Budismo contemplam que o sofrimento é inevitável e faz parte da condição humana atual.
2º
Nobre Verdade
A segunda nobre verdade é que o sofrimento é
causado pelo desejo (tanha). Desejar, entretanto, não é uma palavra tão bem
traduzida para o significado profundo que dela Buda estabeleceu. A melhor
palavra equivalente seria o termo grego “pathos”, usado pela Igreja Ortodoxa
para designar “paixões”. Tanto a “tanha” como o “pathos” se referem as emoções
que dominam (e escravizam) as almas dos seres humanos.
Buda
listou três formas de “tanha”:
1. Desejo por prazer
2. Desejo por existência
3. Desejo por não existência
Os
primeiros monges cristãos compilaram uma lista de paixões (pathos), oito em número (que mais tarde foram tratados no ocidente como os “sete pecados
capitais"):
1. Paixão da Gula
2. Paixão da Luxúria
3. Paixão da Cobiça
4. Paixão da Ira
5. Paixão da Melancolia
6. Paixão da Preguiça
7. Paixão da Vanglória
8. Paixão do Orgulho
Como podemos ver, apesar do conteúdo ser
apresentado de forma diferente, a mensagem é similar. Essas paixões/desejos são
a razão para o sofrimento humano.
3º
Nobre Verdade
A Terceira Nobre Verdade de Buda é que há um Caminho
pelo qual podemos superar o sofrimento, superar a enfermidade, superar o
envelhecimento e a morte. Da mesma forma está de acordo com o Cristianismo.
4º
Nobre Verdade
É finalmente, com a quarta Nobre Verdade que o
Cristianismo e o Budismo encontram uma distinção. Na verdade, acredito que a
quarta Nobre Verdade de Buda, na qual ele estabelece o meio pelo qual o
sofrimento pode ser superado, não está incorreto, mas incompleto.
Buda ensina, na quarta Nobre Verdade, que o
caminho para superar os desejos é possível através dos “Oito Caminhos”:
1. Compreensão correta
2. Pensamento correto
3. Fala correta
4. Ação correta
5. Meio de vida correto
6. Esforço correto
7. Atenção correta
8. Concentração
correta
Em tudo isto,
Buda estava correto. Seguir estes passos pode nos levar ao
nirvana, o estado do não-sofrimento e a iluminação.
Mas apesar de todo o esforço, jamais destruiriamos
a enfermidade, a velhice e a morte. Segundo a história, o Buda morreu aos 80
anos por uma doença resultada ao comer um pedaço de carne de porco. Em outras
palavras, mesmo iluminado, ele envelheceu, adoeceu e faleceu.
Todavia, após 500 anos de sua vida, algo notável
aconteceu, um evento chave foi inserido na história humana, que Buda, por sua
condição e localização histórica, estava distante:
Deus se tornou Homem.
Ele nasceu, foi crucificado, morreu, e
ressuscitou.
Com isto, nos possibilitou a Theosis, ou divinização, através dela surge a esperança de que a morte, a velhice e a enfermidade serão abolidas. Devemos continuar com a sabedoria de enfrentar
nossas paixões ou desejos, porém há uma nova dinâmica: a Graça Divina.
A partir disto, compreende-se que nossas lutas não serão apenas para nos elevarmos acima de uma condição humana menos aprimorada para mais aprimorada, mais que isso, com a graça de Deus ter se tornado Homem, Ele nos possibilitou que nós nos tornemos Deus, ou seja, sejamos elevados a Sua natureza pela graça. O homem pode se unir misticamente e viver nEle, onde a velhice, a dor e a morte foram abolidas.
O pensamento budista, portanto, não está em nada incorreto,
somente incompleto.
O Buda é um homem notável e digno de veneração por
ter compreendido com sabedoria a natureza do mundo, da humanidade e da
possibilidade de iluminação predita pelos antigos e sábios filósofos.
Esta é uma conquista verdadeiramente incrível da
parte dele, já que ele estava distante geograficamente até mesmo da revelação
de Deus dada a Israel no Antigo Testamento. Não é à toa que até os Pais da
Igreja dos primeiros séculos deram o reconhecimento da santidade de Buda, assim
como reconheceram nos filósofos gregos e os profetas de Israel.
Buda, sem dúvida, pode ser contado entre aqueles que eram “cristãos antes de Cristo”.
Jesus Cristo, porém, é a conclusão do grande
dilema que o Buda tentou resolver, finalmente, Cristo é o cumprimento da nobre verdade do budismo e não sua oposição.
"Toda a pessoa, instintivamente, se esforça
para a felicidade. Este desejo foi implantado em nossa natureza pelo próprio
Criador, e, portanto, não é pecado. Mas é importante entender que nesta vida
temporária é impossível encontrar a felicidade plena, pois que vem de Deus e
não pode ser alcançado sem ele. Só Ele, que é o último bem e fonte de todo o
bem, pode saciar a nossa sede de felicidade." - Santo Inocêncio de Alaska,
indicação do caminho para o Reino dos Céus.
- Tradução do artigo de David Withun: "The Truth of Buddhism".