quarta-feira, 13 de novembro de 2013

19 Questões da Juventude Ortodoxa ao Metropolita Hierotheos



Estudantes de uma escola na Kallithea, Grécia, entrevistaram Sua Eminência o Metropolita Hierotheos de Nafpaktos e Agios Vlasios +, questionando-o 19 perguntas sobre assuntos contemporâneos e dúvidas pessoais. As respostas foram publicadas no jornalzinho da escola.

Nota do autor: Gostaria de ressaltar que algumas perguntas parecem ser próprias para o contexto grego como a que diz sobre a crise econômica, mas pode servir a todos nós de maneira geralSão questões comuns do homem pós-moderno, e principalmente jovens, respondidas a luz da fé ortodoxa.

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1. Há uma definição para a alma?

Metropolita Hierotheos: A alma é uma criação de Deus que surge através de Suas Energias; é viva, imortal pela graça, distinta do corpo, mas unido a ele. Ser Humano consiste em alma e corpo, e estes dois separados não constituem um Humano. A Igreja não acredita na pre-existência da alma sem o corpo, nem na pré-existência do corpo sem uma alma. A alma é o componente espiritual da existência humana que dá vida ao corpo. É fantástico quando alguém se esforça por conhecer a alma de uma pessoa e não se foca apenas no corpo.

2. O que te levou a ser um Padre?

Metropolita Hierotheos: Eu me tornei Padre por conta da vida eclesial que tive desde minha juventude, como também meu amor por Deus e pelos homens. Foi um ato natural de pertencer a vida eclesial e eu me sinto muito bem. Quando era uma criança amava o Santo Templo e era conectado a ele. Fui inspirado por pessoas que tinham um grande amor por Deus e pela Igreja. Eu me tornei um padre por conta do amor e não porque não tinha o que fazer. Agora, não sou apenas feliz, mas livre. Não me importo em “ser”, mas em “qualidade de ser”. Não me esforço para ser feliz, mas para ser livre. Há uma diferença enorme entre os dois.

3. Como você se sente sobre seu cargo e seu relacionamento com Deus?

Metropolita Hierotheos: Enquanto Bispo que sou, tenho uma responsabilidade pelos cristãos, pelo clero, pelos jovens e pelos idosos. Eu sou um servo de todos e sempre que eles precisarem serei seu pai e curador. É claro, que quando alguém reza, eles sentem a presença de Deus. Deus não é uma ideia, nem um ser impessoal, ou um valor simbólico, mas um amor erótico e ama com este amor erótico que preenche o homem e como um amante atrai para Si mesmo os dignos deste amor erótico.

4. Por quê as pessoas, especialmente os jovens, tem se distanciado da Igreja?

Metropolita Hierotheos: Eles se afastam porque acreditam numa Igreja que ela não é. Eles sentem como se fosse uma religião, uma loja de souvenirs ou uma casa de repouso, etc... Todos somos culpados por isto. Nós, os clérigos por não mostrarmos verdadeiramente o que a Igreja é e também os jovens por não buscarem mais profundamente o sentido da Igreja. Para encontrar algo profundo é necessário amar isto, sentir dor por isto e procurar isto. A Igreja não é um lugar de rebelião contra tudo que há de ruim e hipócrita, mas um farol espiritual que ilumina e guia.

5. O que é e qual deveria ser o papel da Igreja na crise atual.

Metropolita Hierotheos: Seu papel será sempre o mesmo, que é unificar e curar. Quando há um padre com sensibilidade numa paróquia, ele pode organizá-la e operar ela como uma comunidade terapêutica. A Igreja é a mãe de todos, e recebe a todos sem discriminação, oferecendo significado na vida.
Entretando, eu devo dizer que quando falo da Igreja, não me refiro a uma instituição estabelecida, de um Sínodo de Bispos ou reunião de Presbíteros, mas da união entre clérigos e leigos que foram batizados e vivem de acordo com as palavras de Cristo. Vós também sois membros da Igreja. Não vos separai da Igreja.

6. Como a Igreja usa sua riqueza?

Metropolita Hierotheos: Em primeiro lugar, é uma mentira que a Igreja tenha uma quantidade grande de riqueza material. É o chamado mito da riqueza imensa. A Igreja tem apenas 4% de toda sua propriedade original do qual ocasionalmente doa para estabelecimentos como hospitais, escolas, universidades, instituições, e fins filantrópicos. Ocasionalmente, a Igreja (na Grécia) tem ajudado o Estado para que não quebre financeiramente. Esta é uma verdade que ninguém deveria esquecer. E finalmente, a verdadeira riqueza da Igreja é sua teologia, sua adoração, seus membros, os cristãos.


7. A Igreja deveria se modernizer em alguns assuntos, se sim, em quais?

Metropolita Hierotheos: A Igreja tem uma Tradição viva que tem a habilidade de adaptar-se a cada era sem perder sua essência. Não há necessidade de secularizar isto, fazer compromissos, mas convidar as pessoas a buscar. É um lugar semelhante ao verdadeiro erotismo, que não é mal, mas convida as pessoas a observar a beleza essencial do outro. A beleza humana não é apenas externa, mas interna. Isto acontece com a Igreja também. Em alguns assuntos é possível modernizar, quando isto acontece para provisão da Verdade e não a perda dela.

8. O que você diz sobre a corrupção dos Padres?

Metropolita Hierotheos: Não existe somente neles, mas em qualquer humano. Em qualquer país a corrupção é observada para revelar um elemento humano. Muitos padres iniciam com bons propósitos e dedicam-se. Durante o percurso, muitos perderam seu objetivo nobre por vários fatores. Entretanto, temos ótimos padres. Alguns nos levaram a atual crise econômica por luxo desnecessário enquanto outros lutam para ajudar as pessoas e confortar os aflitos, ajudando a sociedade.

9. Qual é sua opinião sobre os ateus e aqueles de outras religiões?

Metropolita Hierotheos: Não posso fazer uma distinção entre ateus e religiosos fundamentado em critérios externos. Não creio que existam ateus, porque os que assim se clamam acreditam em algo e nisto atribuem características divinas. Podem haver ateus que acreditam e cristãos ateus. Ateísmo não é apenas uma ideologia, mas uma vida prática. Portanto, um ateísmo perfeito está a um passo de uma fé perfeita, de forma paradoxal. Aqueles de outras religiões tem sua própria tradição, o que é um componente de qualquer cultura. Devemos tomar cuidado para não sermos fanáticos, racistas e violentos. Fanatismo religioso é igual a pior forma de esquizofrenia.

10. Como Deus julgará a pessoa boa e o mal cristão?

Metropolita Hierotheos: Não posso saber. Não posso entrar na mente de Deus. Entretanto, gostaria de dizer que me alegro que serei julgado por Deus e não por pessoas, porque Deus vê sua alma, suas intenções e é amante dos homens, enquanto pessoas julgam externamente e são muito cruéis. Temo muito é a falta de coração das pessoas.

11. Como é a relação entre Ortodoxos e Católicos hoje?

Metropolita Hierotheos: Há muitas tradições diferentes, diferenças teológicas, como também cultuais, sociais e psicológicas. Os diálogos teológicos feitos hoje, quando honestos e feitos sem agendas, podem beneficiar quem está buscando a verdade.

12. Na escolar falamos sobre o Mistério do Matrimônio. O que você acha sobre a decisão de permitir casamento entre pessoas do mesmo sexo? E sobre o casamento civil?

Metropolita Hierotheos: A Igreja tem sua própria teologia sobre matrimônio. Matrimônio é a união de acordo com Cristo de um homem e uma mulher para formar uma família e criar um espaço de amor e paz. Os ensinamentos da Igreja não abrangem matrimônio entre pessoas do mesmo sexo. Isto não pode acontecer. Mas a Igreja não é responsável por aqueles que querem viver suas vidas fora de sua tradição e ter um casamento civil.

13. Deveria apenas a fé Ortodoxa ser ensinada nas escolas (da Grécia) ou outras religiões também?

Metropolita Hierotheos: Há muita discussão neste assunto. Muitos planos tem sido propostos e opiniões ouvidas. Em cada proposta há prós e contras. Atrás do programa educacional certo que visa o propósito da educação acredito que depende do professor que ensina e dos alunos que aprendem. Seria confuso quando alguém ensina algo sem acreditar e alunos escutam indiferentes, sem desejo de aprender.

14. Qual é a relação entre jejuar e a Eucaristia?

Metropolita Hierotheos: A Eucaristia é o ápice de toda a vida eclesial. É literalmente uma comunhão, de união e amor. E qualquer evento como este merece uma sincera aproximação com preparação apropriada. Jejuar é um caminho para preparar-se para aqueles que podem, mas participar da Sagrada Comunhão é fundamentado naquilo que a Liturgia ensina: “Com fé, devoção e temor a Deus, aproximem-se!”. O requisito é temor a Deus, fé e amor.

15. Qual a importância de Confissão?

Metropolita Hierotheos: Confissão é um mistério de diálogo com Deus através do padre. Estamos tão acostumados a fazer monólogos conosco mesmo, repetindo discursos nas partes mais interiores e pouco iluminadas da alma e não temos a coragem de abrir este compartimento escuro para ser iluminado. Com a confissão paramos de fazer estes trágicos monólogos e iniciamos um diálogo com Deus, deixando o mundo da ilusão e abrindo-nos para a luz da verdade.

16. O que é pecado?

Metropolita Hierotheos: Pecado é enfermidade, morte, término de uma relação com Deus e nossos próximos; é uma enfermidade gerada por um amor egoísta.

17. O que acontece com a alma após a morte nos 40 primeiros dias?

Metropolita Hierotheos: Com a morte o homem não é levado ao “zero absoluto” como alguns clamam. Quando a alma é separada do corpo, ela vive e retornará ao corpo, que será ressuscitado. Não encontrei em nenhum escrito patrístico que a alma permanece conosco por 40 dias depois da morte e após isto vai para algum lugar. A alma é imaterial, e após sair do corpo continua sua vida lá fora.

18. Alguns acreditam que a Segunda Vinda logo acontecerá. Isto pode ser previsto pelas Sagradas Escrituras?

Metropolita Hierotheos: Cristo nos ensinou que não poderemos saber quando a Segunda Vinda acontecerá, mas ocorrerá de repente. A questão é que devemos honrar a Deus, aos nossos próximos, e a nós mesmos todos os dias, tendo assim paz com nossa consciência, e assim amaremos nossos companheiros sem egoísmos, isto é o mais importante. Eu não posso aceitar falsos profetas que difundem agonia e dúvidas sobre as pessoas (com essas previsões do fim). Eu gosto de falar sobre amor, vida, altruísmo e erotismo divino.

19. Qual sua opinião sobre o Darvinismo?

Metropolita Hierotheos: Há várias teorias sobre a criação e evolução do homem. O conflito entre cristianismo e ciência é algo particularmente ocidental e de outras tradições cristãs. Na teologia ortodoxa, expressa pelos Pais da Igreja, não há conflito entre teologia e ciência, porque teologia e ciência operam em campos diferentes.

Entretanto, enquanto clérigo e teólogo o que primariamente me preocupa é outra evolução: como nós humanos podemos ser divinizados, nos tornar deuses; de como podemos transformar nossos impulsos animais para algo humano e então divino; de como o amor próprio pode transformar-se em amor a Deus e ao próximo; de como o inferno em nossas vidas pode transformar-se em paraíso; como nossos instintos biológicos evoluem para o erotismo divino; que também regenera o erotismo humano; de como vamos parar de ver nosso próximo como instrumento de satisfação e uso para vê-los permeados de júbilo. Enfim, de como podemos nos tornar pessoas teantrópicas.



Eu não quero ser jogado na prisão e receber a liberdade de enfeita-la. Quero abandonar qualquer tipo de prisão. Quero liberdade de espírito, para ser elevado acima do efêmero, e buscar a transcendência da morte.

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

"Não estamos traindo a Ortodoxia, não somos ecumenistas!" - declara Patriarca Bartolomeu


O Patriarca de Constantinopla, Bartolomeu I, respondeu aqueles que criticam o Patriarcado por conta do diálogo ecumênico.

Em conversa com o Patriarca da Bulgária, Neófito, que estava realizando uma pacífica visita ao Patriarca Ecumênico, Bartolomeu disse entre outras coisas que não está traindo a Ortodoxia ou apoiando conceitos do movimento ecumênico.

"Através desta estratégia (diálogo ecumênico) não estamos traindo a Ortodoxia, como criticaram, muito menos apoiamos os conceitos ecumenistas, mas proclamamos aos heterodoxos toda a verdade da Ortodoxia.", respondeu claramente.

O Patriarca Ecumênico fez estensivas referências as reações que existem por conta do diálogo existentes nos países de tradição ortodoxa como Bulgária, explicando que este diálogo é uma tentativa de compreensão mútua e exposição "para os heterodoxos da fé ortodoxa".

"Não queremos, como dizem alguns, criar um sincretismo de crenças. Isto é, não estamos participando do diálogo ecumênico para gerar uma confissão cristã sincrética, mas sim uma simples colaboração social por parte dos Cristãos Ortodoxos com aqueles que invocam o Nome de Cristo", disse Bartolomeu.

Ele complementou que: "Naturalmente, nós não tememos, enquanto Ortodoxos (que somos), e que temos a plenitude da fé cristã, sermos afetados por visões dos nossos irmãos heterodoxos em assuntos doutrinais.".


20 de Setembro de 2013

Por que rezamos voltados ao Leste?


Por quê Cristãos Ortodoxos rezam voltados ao Leste e as Igrejas Ortodoxas são construídas tradicionalmente nesta direção? É um mero costume ou tem fundamento bíblico e patrístico?

Primeiramente e mais importante: a Bíblia não nos dá uma lista de respostas para todas nossas perguntas nem uma lista de regras ou costumes, mas oferece muitas coisas que nos orientam, quais foram explicadas e clareadas pelos Pais da Igreja.

Rezar voltado ao Leste, por exemplo, tem muita base bíblica. Leste (Oriente) é a única direção com algum significado em toda a Escritura Sagrada. Alguns versículos podem nos ajudar a compreender seu caráter místico e teológico.

- Da Bíblia Sagrada:

Então me levou à porta, à porta que olha para o caminho do oriente. E eis que a glória do Deus de Israel vinha do caminho do oriente; e a sua voz era como a voz de muitas águas, e a terra resplandeceu por causa da sua glória. (Ezequiel 43:1-2)

E a glória do Senhor entrou na casa pelo caminho da porta, cuja face está para o lado do oriente. (Ezequiel 43:4)

E os querubins alçaram as suas asas, e se elevaram da terra aos meus olhos, quando saíram; e as rodas os acompanhavam; e cada um parou à entrada da porta oriental da casa do Senhor; e a glória do Deus de Israel estava em cima, sobre eles. (Ezequiel 10:19)

Então me fez voltar para o caminho da porta exterior do santuário, que olha para o oriente, a qual estava fechada. E disse-me o Senhor: Esta porta permanecerá fechada, não se abrirá; ninguém entrará por ela, porque o Senhor, o Deus de Israel entrou por ela; por isso permanecerá fechada. (Ezequiel 44:1-2)

Quem suscitou do oriente o justo e o chamou para o seu pé? Quem deu as nações à sua face e o fez dominar sobre reis? (Isaías 41:2)

Que chamo a ave de rapina desde o oriente, e de uma terra remota o homem do meu conselho; porque assim o disse, e assim o farei vir; eu o formei, e também o farei. (Isaías 46:11)

Porque, assim como o relâmpago sai do oriente e se mostra até ao ocidente, assim será também a vinda do Filho do homem. (Mateus 24:27)

E havendo lançado fora o homem, pôs querubins ao oriente do jardim do Éden, e uma espada inflamada que andava ao redor, para guardar o caminho da árvore da vida. (Gênesis 3:24)

E plantou o Senhor Deus um jardim no Éden, do lado oriental; e pôs ali o homem que tinha formado. (Gênesis 2:8)

São João Damasceno complementa: Enquanto aguardamos a vinda do Senhor, "nós O adoramos voltados ao Oriente".

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Patriotismo Sim. Nacionalismo Não.


"Naturalmente, uma pessoa amará sua própria família e os parentes com quem cresceu, acima de tudo, e, em segundo lugar, o país todo, o povo ao qual pertence.

Uma pessoa é ligada a esse povo tanto pelas obrigações civis e estatais quanto pela cultura e costumes.


Uma pessoa está presa ao seu povo, à sua terra natal, e os ama.


Esse amor pela terra natal é aquele patriotismo cristão contra o qual os cosmopolitas tão fortemente lutam.

O patriotismo cristão é, naturalmente, contrário àqueles extremos e erros nos quais "super-patriotas" caem.

Um patriota cristão, enquanto ama sua nação, não fecha seus olhos às suas inadequações, mas sobriamente olha para suas propriedades e características.

Ele nunca concordará com aqueles "patriotas" que são inclinados a elevar e justificar tudo o que é nativo (até os vícios e inadequações nacionais).

Tais "patriotas" não percebem que isso absolutamente não é patriotismo, mas orgulho nacional inflado -- aquele mesmo pecado contra o qual o cristianismo luta tão fortemente.

Não, um verdadeiro patriota não fecha os olhos aos pecados e doenças do seu povo; ele os vê, se condói por eles, luta com eles e se arrepende perante Deus e os outros povos por si mesmo e sua nação.

Além disso, o patriotismo cristão é completamente contra o ódio por outros povos.

Se eu amo meu próprio povo, então seguramente devo também amar os chineses, os turcos ou qualquer outro povo. Não amá-los seria não-cristão.

Deus conceda a eles bem-estar e todo sucesso justo."

- Metropolita Filareto de Nova York

sexta-feira, 28 de junho de 2013

A nobre verdade do Buda


Quero iniciar esse artigo com uma pequena confissão. Quando era adolescente, eu era, como a maioria dos jovens americanos, muito interessado em religiões e filosofias orientais. As crenças sobre humanidade, realidade e divindade dos sistemas religiosos como no Hinduísmo, Taoísmo e Budismo apresentavam algo muito mais profundo do que a escassez espiritual do Ocidente.

Como de regra, as religiões orientais enfatizavam grandes tradições místicas, contrastando o “deus tirano” apresentado pelo cristianismo americano, além de serem muito mais simpatizantes dos conhecimentos científicos em geral.

Enquanto o Cristianismo era a morada das Cruzadas, Inquisição e pastores fundamentalistas, o Budismo, Hinduísmo e Taoísmo, eram tratados como tendo sua profunda visão sobre a natureza do mundo e da humanidade, eram sobre ser gentil e espiritual.

Este é o argumento mais utilizado por apologistas das religiões orientais para o público ocidental, e era este o ponto de vista que eu tinha até encontrar a Igreja Ortodoxa e seu riquíssimo legado espiritual.

O objetivo deste artigo não é refutar estas noções comuns sobre religiões orientais nem sobre os mitos que a ignorância acusa o cristianismo. Até porque, em artigos passados, já tratei de como a Ortodoxia refuta todos estes mitos.

Só citei estes estereótipos sobre cristianismo e religiões orientais para apresentar um pano de fundo no que segue adiante.

Do outro lado do Éden

Dentre tais religiões orientais, era o Budismo que especialmente me atraía. O próprio Buda era, para mim, uma figura incrível em várias formas: sua determinação em “ou o Nirvana ou Nada”, sua busca espiritual pela verdade, sua compaixão abrangente pelo mundo, sua sistemática e científica cosmovisão e principalmente, sua orientação espiritual para as pessoas me fascinavam. E ainda me fascinam.

Aqui está outra confissão: Eu ainda acredito que o Buda estava certo. Isto mesmo, eu sou Cristão Ortodoxo e continuo acreditando que Buda estava correto em sua visão de mundo e do homem. Em verdade, ter-me tornado Cristão Ortodoxo me fez apreciar ainda mais a profundidade e verdade que o Budismo apresenta mais do que na minha vã curiosidade de adolescente. Eu explicarei:

Budismo é diferente mesmo das outras religiões orientais em muitos aspectos, provavelmente uma das mais incríveis diferenças é que o Budismo, em contraste outras culturas religiosas, não tem uma “história da criação ou origem do mundo”.

Ao invés de ser uma história sobre o drama da origem e do homem e de sua condição, o Budismo conta a história do próprio Buda, este homem particular e sua compreensão do mundo como ele é.

Enquanto o tempo passa, Buda cresceu intencionalmente protegido por seu pai, um rei. Buda foi protegido de ver qualquer morte, doença ou feiura. Ele foi criado rodeado de beleza, juventude e prazer. Porém, em um de seus passeios fora do Palácio, contemplou quatro sinais que o chocariam para sempre: uma pessoa doente, um idoso, uma pessoa morta e um asceta hindu.

A história do Buda não é sobre um homem que viveu há 2500 atrás. Provavelmente, a questão é que talvez, não seja nem necessário saber. A história do Buda é sobre uma pessoa que cresce e contempla o mundo ao seu redor. 

Crianças são geralmente protegidas do que chamamos “realidade da vida”. Para eles, tudo é divertido e aparenta que a diversão nunca terá fim. Assim que crescem, percebem que a vida não é somente jogos e diversão. Eles observam a vovó ficar doente e percebem que um dia também ficarão doentes. Quando sua avó querida falece, conseguem compreender que um dia também irão deixar este mundo.

Essas reflexões podem não ser tão grandes e profundas como as que ocorrem na história do Buda, mas são realizações que todos os seres humanos um dia irão enfrentar.

A essência do sofrimento

A história da criação pelo Cristianismo, nos capítulos de abertura do livro de Gênesis, providencia a mesma lógica e poderia ser facilmente aplicado como uma alegoria ao que todos experimentam quando o envelhecimento se aproxima.

Adão e Eva, os primeiros humanos, viviam em inocência e de repente, comeram o fruto da árvore do “conhecimento do bem e do mal”. Como resultado, eles foram expulsos do Paraíso; sofrimento, dor, enfermidade e morte entraram em seu mundo. Eva, a mulher, lhe foi dito que teria filhos apenas com muita dor, se tornou adulta. Adão, o homem, lhe foi dito que conseguiria alimento para ele e sua família apenas com muito trabalho sem fim, se tornou adulto. A mais profunda sentença lhes foi lançada: “Vieram do pó e ao pó retornarão” (Gênesis 3:19).

A história da criação pelo Budismo e pelo Cristianismo são muito diferentes em tempo, lugar e pessoa. Mas a mensagem continua a mesma: agora que atingimos a idade adulta, temos que encarar os fatos: ficaremos facilmente doentes, velhos e a morte nos espera. Ao mesmo tempo, em ambas as crenças, há um raio de luz que resplandece sobre tudo isto.

Na história budista, o Buda encontra o asceta hindu, que busca um caminho para vencer a enfermidade, velhice e a morte. Na história cristã, o Senhor diz a serpente que Ele põe “inimizade entre ela e a mulher, entre a sua descendência e o descendente dela; esta ferirá a sua cabeça, e a serpente lhe ferirá o calcanhar” (Gênesis 3:15).

Deus prometeu uma semente à Eva, Um que viria para destruir a serpente, desfazendo as consequências da queda e salvando a humanidade da enfermidade, velhice e morte.

As respectivas histórias fundamentais do Budismo e do Cristianismo continuam, cada um recontando os eventos que são muito diferentes uns dos outros e possivelmente difíceis de se entrelaçar na mesma verdade. 


Se há um elemento particular nas duas crenças, e que pode ser encontrar por todo o Antigo Testamento, é que o homem constantemente busca a divinização e falha sempre. Uma das histórias mais peculiares de todo o Antigo Testamento que dura por milhares de anos, é sobre a impossibilidade do homem em atingir a divinização e restaurar sua comunhão com Deus.

A moral que se prossegue na história do Buda é praticamente a mesma. Após observar os quatro sinais, Buda abandona o Palácio de seu pai e retira-se para a floresta para viver com o asceta hindu, lutando junto com ele para fugir da enfermidade, velhice e morte.

Durante este tempo, absorve a sabedoria de muitos gurus e põe as técnicas todas em prática. Ele atinge um profundo estado místico. E mesmo assim, não está satisfeito com seu progresso.

Ele continua sofrendo, continua ficando doente, envelhecendo e também terá que enfrentar a morte. Retorna ao ponto zero. Ele jejuou tanto e torturou seu corpo físico de tal maneira que textos budistas recordam que ao tocar seu estômago, encostava na espinha.

Finalmente, ele senta na posição de Lótus abaixo de uma árvore e torce para não precisar se mover até que morra ou alcance a iluminação, então medita.

Como o próprio nome “Buda”, que significa “O Iluminado”, indica, ele atingiu seu objetivo, alcançou a iluminação e experimentou o Nirvana, o estado de não-sofrimento. Atingindo seu objetivo, ensinou os outros a alcançar este caminho. Seu primeiro sermão, dado a amigos ascetas que o haviam seguido, ressaltam as verdades mais profundas que o Buda encontrou, verdades que se encontram nos fundamentos da fé Cristã Ortodoxa.

Estes ensinamentos são chamados “Quatro Nobres Verdades” e os “Oito Caminhos”.

1º Nobre Verdade

A primeira das nobres verdades é que o sofrimento está presente em todos os aspectos da vida; até a mais preciosa alegria eventualmente sumirá porque na terra tudo é temporal.

De acordo com Buda: “Agora, ó monges, está a nobre verdade da dor: nascer é doloroso, envelhecer é doloroso, adoecer é doloroso, lamentar-se e chorar é doloroso. Contato com coisas desagradáveis é doloroso, não atingir o que se quer é doloroso. Apegar-se é doloroso”.

Isto, como já observamos, é similar ao ponto de início do Cristianismo. Retornando ao terceiro capítulo do livro de Gênesis, encontramos o mesmo conteúdo nas palavras de Deus para Adão e Eva após a queda:

“E à mulher disse: Multiplicarei grandemente a tua dor, e a tua conceição; com dor darás à luz filhos; e o teu desejo será para o teu marido, e ele te dominará. E a Adão disse: Porquanto deste ouvidos à voz de tua mulher, e comeste da árvore de que te ordenei, dizendo: Não comerás dela, maldita é a terra por causa de ti; com dor comerás dela todos os dias da tua vida. Espinhos, e cardos também, te produzirá; e comerás a erva do campo. No suor do teu rosto comerás o teu pão, até que te tornes à terra; porque dela foste tomado; porquanto és pó e em pó te tornarás” (Gênesis 3:16-19).

Após estabelecer esta verdade fundamental, tanto o Cristianismo como o Budismo contemplam que o sofrimento é inevitável e faz parte da condição humana atual.

2º Nobre Verdade

A segunda nobre verdade é que o sofrimento é causado pelo desejo (tanha). Desejar, entretanto, não é uma palavra tão bem traduzida para o significado profundo que dela Buda estabeleceu. A melhor palavra equivalente seria o termo grego “pathos”, usado pela Igreja Ortodoxa para designar “paixões”. Tanto a “tanha” como o “pathos” se referem as emoções que dominam (e escravizam) as almas dos seres humanos.

Buda listou três formas de “tanha”:

1. Desejo por prazer
2. Desejo por existência
3. Desejo por não existência

Os primeiros monges cristãos compilaram uma lista de paixões (pathos), oito em número (que mais tarde foram tratados no ocidente como os “sete pecados capitais"):

1. Paixão da Gula
2. Paixão da Luxúria
3. Paixão da Cobiça
4. Paixão da Ira
5. Paixão da Melancolia
6. Paixão da Preguiça
7. Paixão da Vanglória
8. Paixão do Orgulho

Como podemos ver, apesar do conteúdo ser apresentado de forma diferente, a mensagem é similar. Essas paixões/desejos são a razão para o sofrimento humano.

3º Nobre Verdade

A Terceira Nobre Verdade de Buda é que há um Caminho pelo qual podemos superar o sofrimento, superar a enfermidade, superar o envelhecimento e a morte. Da mesma forma está de acordo com o Cristianismo.

4º Nobre Verdade

É finalmente, com a quarta Nobre Verdade que o Cristianismo e o Budismo encontram uma distinção. Na verdade, acredito que a quarta Nobre Verdade de Buda, na qual ele estabelece o meio pelo qual o sofrimento pode ser superado, não está incorreto, mas incompleto.

Buda ensina, na quarta Nobre Verdade, que o caminho para superar os desejos é possível através dos “Oito Caminhos”:

1. Compreensão correta
2. Pensamento correto
3. Fala correta
4. Ação correta
5. Meio de vida correto
6. Esforço correto
7. Atenção correta
8. Concentração correta

Em tudo isto, Buda estava correto. Seguir estes passos pode nos levar ao nirvana, o estado do não-sofrimento e a iluminação.

Mas apesar de todo o esforço, jamais destruiriamos a enfermidade, a velhice e a morte. Segundo a história, o Buda morreu aos 80 anos por uma doença resultada ao comer um pedaço de carne de porco. Em outras palavras, mesmo iluminado, ele envelheceu, adoeceu e faleceu.

Todavia, após 500 anos de sua vida, algo notável aconteceu, um evento chave foi inserido na história humana, que Buda, por sua condição e localização histórica, estava distante: 

Deus se tornou Homem.

Ele nasceu, foi crucificado, morreu, e ressuscitou.

Com isto, nos possibilitou a Theosis, ou divinização, através dela surge a esperança de que a morte, a velhice e a enfermidade serão abolidas. Devemos continuar com a sabedoria de enfrentar nossas paixões ou desejos, porém há uma nova dinâmica: a Graça Divina.

A partir disto, compreende-se que nossas lutas não serão apenas para nos elevarmos acima de uma condição humana menos aprimorada para mais aprimorada, mais que isso, com a graça de Deus ter se tornado Homem, Ele nos possibilitou que nós nos tornemos Deus, ou seja, sejamos elevados a Sua natureza pela graça. O homem pode se unir misticamente e viver nEle, onde a velhice, a dor e a morte foram abolidas.

O pensamento budista, portanto, não está em nada incorreto, somente incompleto.

O Buda é um homem notável e digno de veneração por ter compreendido com sabedoria a natureza do mundo, da humanidade e da possibilidade de iluminação predita pelos antigos e sábios filósofos.

Esta é uma conquista verdadeiramente incrível da parte dele, já que ele estava distante geograficamente até mesmo da revelação de Deus dada a Israel no Antigo Testamento. Não é à toa que até os Pais da Igreja dos primeiros séculos deram o reconhecimento da santidade de Buda, assim como reconheceram nos filósofos gregos e os profetas de Israel.

Buda, sem dúvida, pode ser contado entre aqueles que eram “cristãos antes de Cristo”.

Jesus Cristo, porém, é a conclusão do grande dilema que o Buda tentou resolver, finalmente, Cristo é o cumprimento da nobre verdade do budismo e não sua oposição.

"Toda a pessoa, instintivamente, se esforça para a felicidade. Este desejo foi implantado em nossa natureza pelo próprio Criador, e, portanto, não é pecado. Mas é importante entender que nesta vida temporária é impossível encontrar a felicidade plena, pois que vem de Deus e não pode ser alcançado sem ele. Só Ele, que é o último bem e fonte de todo o bem, pode saciar a nossa sede de felicidade." - Santo Inocêncio de Alaska, indicação do caminho para o Reino dos Céus.

- Tradução do artigo de David Withun: "The Truth of Buddhism".

quarta-feira, 5 de junho de 2013

Ortodoxia e a Divinização do Homem


A divinização é uma verdade latente da humanidade, recontada pelos mais diversos mitos, infelizmente é desfigurada pelas mais variadas formas desde a antiguidade até os tempos pós-modernos. Numa busca desesperada e falha, como conta o mito grego de Prometheus, o homem encontra formas de divinizações que o levam a sua própria condenação. Contudo, há um arquétipo e uma possibilidade verdadeira.

Na Sagrada Tradição da Igreja Ortodoxa de Cristo, o homem pode alcançar a Theosis, ou seja, divinização. Isto porque de acordo com os ensinamentos bíblicos e patrísticos, a graça é incriada. Deus não é apenas essência como dizem os cristãos ocidentais, mas também energia.

Diferença entre Essência e Energias


Se Deus fosse apenas essência, ninguém poderia se unir a Ele, ou viver em comunhão com Ele, porque a essência divina é inacessível ao homem, pois o Senhor declara: "Não me poderás ver a face, porquanto homem nenhum verá a minha face e viverá." (Êxodo 33:20).

Vamos utilizar uma analogia bem prática e humana. Se tocarmos um cabo elétrico, morreremos. Por outro lado, se conectarmos isto a uma lâmpada, utilizaremos a luz e seremos iluminados. A energia da corrente elétrica pode então ser observada, apreciada e ela nos auxilia. A essência não podemos portar. Algo similar acontece com as energias incriadas de Deus.

Se pudéssemos estar conectados com a essência de Deus, também nos tornaríamos deuses em essência. Nominalmente, tudo se tornaria divindades, haveria uma confusão, e portanto, nada seria divindade. Por nome, isto é o que acreditam algumas religiões orientais, como o Hinduísmo, onde a personalidade divina não existe, mas sim, uma essência vaga, dispersa pelo cosmos, nas criaturas humanas como também nos animais e matéria (Panteísmo).

Da mesma forma, se Deus tivesse apenas uma essência incomunicável sem Suas energias, Ele seria um Deus autossuficiente, fechado em Si mesmo e sem comunicar-se com Sua criação.

É com suas energias incriadas que Deus criou o mundo e continua a sustenta-lo. Ele concede essência e existência ao nosso cosmos com suas energias incriadas, porém criadoras. Ele está presente na natureza e sustenta o universo com Suas energias. Ele ilumina o homem com suas luminosas energias. Ele santifica o homem com suas santificantes energias. E finalmente, diviniza o homem com suas divinas energias. É com tais energias, que o Santo Deus permeia a natureza, o mundo, o cosmos, a história e a vida dos humanos.

As energias de Deus são energias divinas. Elas são também Deus, sem deixar de ser Sua essência. Por serem divinas é que tornar o homem divino. Se as energias não fossem divinas, então elas não seriam Deus, não nos divinizaria nem nos uniria a Ele. Haveria finalmente, uma gigantesca distância entre o Criador e Sua criação.

Do contrário, como crê a fé ortodoxa: Deus tem suas energias e nos possibilita unirmos a ela, e a isto se refere a Sua Graça. Nos unimos a Ele, nos tornamos um com Ele e não um como Ele, caso nos uníssemos a Sua essência e não as energias.

Nós, portanto, nos unimos a Deus através de suas energias incriadas, e não através de Sua essência. Este é o mistério que envolve toda a criação, toda a fé cristã ortodoxa e toda a vida humana.

Isto, a falácia ocidental não pode aceitar. Por quê? Por que são racionalistas e não podem diferenciar entre essência e energia e ao mesmo tempo continuar crendo que Deus é incriado. Por este motivo, não há no discurso cristão ocidental a Theosis (divinização) do homem. A questão deles é de que o homem não pode se tornar Deus porque não podem imaginar energias incriadas, mas somente energias criadas. Isto significa: como pode algo criado, “fora de Deus”, tornar Deus o homem criado?

São Gregório Palamás e o pensamento ortodoxo


Durante o século 14, aconteceu uma grande confusão na Igreja Ortodoxa, que iniciou-se com um monge ocidental, chamado Varlaam. Ele ouviu em algum lugar que os monges atônitas (do Monte Athos) estavam discursando sobre Theosis. Ele foi informado que através da constante oração, se uniam a Deus e podiam até mesmo vê-Lo. Ouviu até mesmo que podiam ver a luz incriada que foi vista pelos Apóstolos na Transfiguração de Jesus Cristo no Monte Tabor.

Entretanto, Varlaam, tendo seu espírito permeado pelo racionalismo occidental, não percebeu a genuína experiência divina destes humildes monges e começou a acusa-los de loucura, heresia e idolatria. Varlaam chegou a afirmar, por exemplo, que era impossível aproximar-se e ver a Graça Divina, porque ele (Varlaam) não sabia nada entre a diferença da essência e das energias incriadas de Deus.

Na mesma época, a Graça Divina trouxe um grande e iluminado mestre para a Igreja: São Gregório Palamás, Arcebispo da Tessalônica. Com grande sabedoria e iluminação por Deus, e também por experiência mística pessoal, ele escreveu centenas de textos ensinando, através das Sagradas Escrituras e da Sagrada Tradição da Igreja, que a luz incriada da Graça de Deus, citado por São Paulo em suas cartas, são na verdade as energias divinas.

São Gregório Palamás defendeu que os monges que haviam visto a luz divina haviam sido divinizados (através da Theosis). Esta é a glória de Deus: a luz da Transfiguração no Monte Tabor, a luz da Ressurreição de Cristo, a graça do Pentecostes e até mesmo a iluminada nuvem citada no Antigo Testamento.

As energias divinas são, na teologia ortodoxa, reais e místicas e não somente simbólicas como Varlaam falsamente acreditava.

Em continuação a isto, a Igreja reunida em três grandes Sínodos na cidade de Constantinopla, glorificaram (canonizaram) São Gregório Palamás e declararam o real objetivo da vida em Cristo, que não era a moralização do homem, mas a sua divinização, onde o homem participa da graça de Deus de forma plena.

Conclusão


Até hoje, ocidentais consideram as energias divinas como cousas criadas e não incriadas. Isto é infelizmente uma das reais diferenças entre Ortodoxia e Heterodoxos, devendo ser levado a sério no diálogo teológico. Assuntos como a “Filioque”, primazia e “infalibilidade” papal e outros dogmas latinos são apenas a ponta do iceberg.

Se cristãos ocidentais não aceitam que a Graça de Deus é incriada, jamais poderemos tomar do mesmo cálice, mesmo que acreditassem em todas as outras coisas. Pois, quem pode divinizar o homem, senão o “Deus que se tornou o que somos para que pudéssemos nos tornar o que Ele é?”.

- Tradução do artigo "Theosis, o objetivo da vida humana.", escrito pelo Arquimandrita George, Ábade do Monastério de São Gregório no Monte Athos, Dezembro, 2006.

terça-feira, 4 de junho de 2013

O Confessor dos Astronautas

Benção das naves espaciais por um padre ortodoxo

"A exploração do espaço está de acordo com a vontade divina,
pois elas proporcionam ao homem 
a oportunidade de explorar a si mesmo."
- Sua Beatitude, Patriarca Cirilo de Moscou e toda a Rússia

"Você viu Deus lá?" - Tal pergunta, por vezes sarcástica, por vezes curiosa e inocente, é constantemente repetida aos astronautas de missões espaciais assim que retornam à Terra. A resposta dos americanos é simples e ficou marcada na história: "Não O vimos, mas contemplamos Seus rastros.".

Astronautas russos, por sua vez, não podiam conceder respostas do gênero na ateísta União Soviética, onde  religião era o "ópio do povo" e Deus "não existia".

Hoje, numa Rússia com liberdade religiosa, as condições são diferentes e os astronautas podem ter seus próprios pais espirituais e confessores, pelos quais podem se comunicar a qualquer momento diretamente do espaço, antes, durante ou depois de sua estadia no espaço.

Para o padre ortodoxo Job Talats, estes destemidos astronautas são pessoas que tem suas próprias questões e também se perguntam como Deus estabeleceu o Universo.

Pároco da Igreja Ortodoxa da Transfiguração, padre Talats regularmente visita o Cosmódromo de Baikonur, de onde missões espaciais são lançadas. Lá, ele prepara espiritualmente os astronautas para a longa jornada e também os recebe de braços abertos quando retornam, para que possam agradecer ao Senhor pela experiência. 

"Quando o homem está no espaço sideral, ele pode contemplar a majestade do Universo e se aproximar ainda mais do Seu Criador.", comenta o padre.

"Não O vi, mas contemplei Seus rastros."

Crucifixo da Estação Espacial Russa (ROSCOSMOS)

O padre ressaltou que o astronauta americano, Frank Borman, o primeiro homem a ver de perto a lua, em certo momento, após um prolongado silêncio, sussurrou: "No princípio, Deus criou os céus e a terra. A terra está vazia e informe...". Primeiro verso do livro de Gênesis, primeiro livo das Sagradas Escrituras. Muitos dos companheiros da missão espacial não conseguiram conter as lágrimas. Quando retornou à terra, foi questionado: "Você viu Deus lá?", e ele respondeu: "Não, eu não O vi, mas contemplei os Seus rastros.".
Estes "rastros" que Borman contemplou agora parecem ser também contemplados por seus colegas russos, conforme explica o padre Talats:
Os astronautas me ligam antes das decolagem, pedindo por orações e bençãos. Yuri Lonchakov, comandante espacial, chegou a ler a Bíblia inteira durante o período que esteve no espaço. Durante as últimas horas antes do voo, conversávamos sobre assuntos teológicos, interpretação ortodoxa da criação, como os santos compreendiam a natureza do cosmos e afins. Oleg Skripinchko cumprimentou o Patriarca de Moscou diretamente do espaço, quando Sua Beatitude visitou o Centro Espacial. Outro, Fyodor Turchikhin, de origem grega, permaneceu seis meses na órbita da terra e levou consigo relíquias de São Teodoro, o Comandante.
"Meu Deus, porque retornei à terra?"

Ícone da Theotokos acoplado na parede da Estação Espacial Russa (ROSCOSMOS)
De acordo com o padre Talats, cada astronauta adquire suas próprias experiências no espaço. "Você não pode explicar isto. Não pode-se explicar o que se sente, porque pessoas são diferentes e vivem experiências variadas. Um astronauta, Valery Oliagov, ficou em torno de um ano e três meses na Estação Espacial, é um campeão e recordista. Durante o período na Estação Espacial, ele celebrou a Páscoa e até mesmo cantou o tropário da Ressurreição, cheio de júbilo. Quando retornou, se deparou com os problemas diários e a realidade terrena, chegando a se questionar, meio sarcástico, meio brincando: "Meu Deus, porque retornei à terra?".

- Retirado e traduzido parcialmente e livremente do artigo: "The confessor of the Astronauts - Fr. Job Talats: «In Space you can see the Grace of God»", entrevista do jornal grego TO VIMA.